Revendedora é condenada por venda de veículo com problemas





Decisão da 7ª Câmara Cível do TJMA manteve sentença de 1º grau, que determinou rescisão de contrato e condenou a empresa a restituir valores e pagar danos morais



A 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Maranhão manteve a sentença do Juízo da 12ª Vara Cível de São Luís, que condenou a M.L. Veículos e Serviços a rescindir contrato de venda de automóvel e ainda a restituir a pessoa que adquiriu o veículo pelo valor pago de entrada, além do IPVA, parcelas de financiamento e indenizar o consumidor por danos morais, dentre outras determinações. Os desembargadores entenderam que, constatado o defeito no serviço e a abusividade na conduta da empresa apelante, ficam configurados os requisitos que ensejam a obrigação de indenizar. Ainda cabe recurso.

De acordo com o relatório, o consumidor (apelado) sustentou na ação que adquiriu um veículo usado junto à empresa (apelante), financiado pelo Banco Bradesco Financiamentos, mas o automóvel apresentou vários defeitos, não solucionados pela loja, que o obrigaram a ajuizar a ação, pedindo a rescisão do contrato, principalmente porque depois também tomou conhecimento de que o hodômetro do veículo havia sido adulterado, apresentando quase 45.000 quilômetros rodados a menos. Ele pediu a rescisão dos contratos de compra e venda e de financiamento e o pagamento de indenização pelos danos materiais e morais que lhe foram causados em razão desses fatos.

SENTENÇA

A sentença de 1º grau julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados pelo adquirente do veículo e determinou a rescisão do contrato de compra e venda do autor com a ré M. L. Veículos.

Também condenou a revendedora a restituir o valor equivalente ao veículo Gol, dado pelo autor como entrada, avaliado em R$ 19.5 mil, corrigido monetariamente pelo INPC e acrescidos de juros de 1%, ambos a partir da data da citação, mediante devolução pelo autor do veículo Hyundai adquirido.

A empresa ainda foi condenada a restituir ao autor os valores pagos pela transferência e pelo IPVA do veículo Gol dado como entrada, nos valores respectivos de R$ 830,00 e R$ 852,26, corrigidos monetariamente pelo INPC e acrescidos de juros de 1%, ambos a partir da data de desembolso.

Condenou a M. L. Veículos a restituir ao autor os valores referentes às parcelas de financiamento já pagas do contrato, em que consta como devedor o autor, corrigidos monetariamente pelo INPC e acrescidos de juros de 1%, ambos a partir da citação, e também a assumir a titularidade do pagamento das parcelas restantes do contrato de financiamento.

Em relação aos danos morais, condenou a empresa a pagar o valor de R$ 5 mil, acrecidos de juros de 1% ao mês e correção monetária pelo INPC, a partir do arbitramento.

Por fim, a sentença determinou que o Banco Bradesco Financiamentos proceda à transferência de titularidade do financiamento especificado, executando os procedimentos necessários, dentre outras.

APELO

Em seu apelo, a empresa atribuiu a alteração do hodômetro a um conserto que se fez necessário e sustentou haver solucionado os demais defeitos apresentados pelo veículo. Pediu a reforma da sentença para o julgamento pela total improcedência dos pedidos iniciais. Subsidiariamente, pediu a exclusão da obrigação de ressarcimento das despesas e taxas do veículo, alegando a existência de acordo anterior formalizado no âmbito do Procon. Pediu, também, a condenação do apelado no pagamento de multa por litigância de má-fé.

VOTO

O desembargador Josemar Lopes Santos, relator do apelo, disse que, nos autos, não existe controvérsia em relação ao fato de que o cliente adquiriu da revendedora um veículo usado que apresentou problemas logo após a compra e, ainda, cujo hodômetro não marcava sua real quilometragem, porque reduzida pela metade – possuía, de fato, mais de oitenta e nove mil, mas apontava apenas quarenta e cinco mil quilômetros rodados.

Em relação à obrigação de indenizar, o relator entendeu que o fato de o veículo adquirido pelo apelado ser usado não autoriza a apelante a entregá-lo com os problemas informados na petição inicial, resolvidos apenas parcialmente.

Acrescentou que, conforme se constata da sentença, o que ensejou o julgamento pela parcial procedência dos pedidos formulados na inicial foi a adulteração apresentada no hodômetro do veículo, que levou o apelado a acreditar que estava adquirindo um automóvel “menos usado” do que realmente era.

O desembargador destacou que, independentemente do porquê de o hodômetro marcar quilometragem não condizente com a realidade, tal circunstância não foi revelada ao consumidor por ocasião da compra do automóvel.

Considerou que, nesse ponto, foi violada norma do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que garante ao consumidor, inclusive como direitos básicos, a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem e a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços. Disse que o dever de reparação decorre, além das regras de boa fé, do artigo 18 do CDC.

IRRETOCÁVEL

Para o relator, a sentença mostra-se irretocável na parte que determinou a rescisão do contrato, com o restabelecimento do status quo anterior: restituição do valor corrigido equivalente ao veículo Gol dado pelo autor como entrada, mediante devolução pelo autor do veículo Hyundai adquirido; restituição ao apelado dos valores pagos pela transferência e pelo IPVA do veículo dado como entrada, corrigidos; restituição ao recorrido dos valores referentes às parcelas de financiamento já pagas do contrato, também corrigidas; e quitação do contrato relativo ao financiamento realizado com vistas à aquisição do veículo.

Por fim, ao registrar já ter havido o julgamento anterior do processo, com publicação de acórdão que restou anulado para atendimento do disposto no artigo 346, IV, do Regimento Interno do TJMA, e que a apelante atravessou peça, pedindo a manifestação sobre pontos que entendeu não enfrentados, entendeu que convinha que a Câmara os analisasse.

Ao analisar o “acordo firmado no âmbito do PROCON/MA” e em razão do qual a apelante entende que estaria desobrigada ao ressarcimento dos valores relativos à transferência dos veículos (R$ 830,00) e ao IPVA/2016 do Gol (R$ 852,26), o relator considerou, por óbvio que, se restou determinada a rescisão do contrato, com o restabelecimento do status quo anterior, o apelado não poderia permanecer com o ônus de custear tais valores.

“Nem se argumente que após o noticiado acordo a recorrente pagou tais débitos porque não há qualquer comprovação desse fato nos autos. Há, ao contrário, a demonstração de que esses encargos foram suportados pelo recorrido (id 5569521, p. 4-6), mediante pagamentos realizados em 29.12.2015 e 31.12.2015, e do acordo (id 5569523, p. 3), formalizado aos 06.01.2016 (...)”, completou o relator.

Acrescentou que, do documento constante dos autos, não há qualquer indicativo de que os valores foram devolvidos pela apelante ao apelado. Quanto ao pedido no sentido de que o veículo seja devolvido “em condições normais de uso, tal como adquirido” pelo recorrido, disse que, de fato, é esperado um desgaste natural do bem em decorrência do transcurso de tempo havido, em razão do que tal ordem não pode ser emanada, principalmente porque, ao tempo da negociação entre as partes, dezembro/2015, o veículo já possuía mais de cinco anos de uso.

Por outro lado, entendeu o relator, não é razoável impor à apelante o ônus desse desgaste. Disse que a solução, no entanto, não pode ser dada neste momento processual, em antecipação a fatos e circunstâncias que precisam necessariamente ser demonstrados e provados, o que somente será possível quando do cumprimento da obrigação imposta.

O relator também entendeu como pertinente a incidência de juros, em razão de regra constante do artigo 407, CC, segundo a qual ainda que se não alegue prejuízo, é obrigado o devedor aos juros da mora que se contarão assim às dívidas em dinheiro, como às prestações de outra natureza, uma vez que lhes esteja fixado o valor pecuniário por sentença judicial, arbitramento, ou acordo entre as partes.

DANOS MORAIS

O desembargador Josemar Lopes destacou que, constatado o defeito no serviço e a abusividade na conduta da apelante, bem assim os prejuízos morais indubitavelmente ocasionados ao apelado, que foi ludibriado por ocasião da compra de um veículo, ficam configurados os requisitos que ensejam a obrigação de indenizar (ação, dano e nexo de causalidade entre ambos).

Entendeu que o valor arbitrado, de R$ 5 mil, encontra-se razoável, razão por que deve ser mantido.

Quanto à suposta litigância de má-fé por parte do apelado, apontada pelo apelante, por ter ajuizado ação anterior e desistido, o relator disse que o Código de Processo Civil faculta ao autor desistir da ação.

Acrescentou que, independentemente da desistência havida, não há comprovação nos autos no sentido de que a apelante efetuou o pagamento dos valores relativos à transferência e ao IPVA e, principalmente, de ter havido consenso com relação à quilometragem do veículo, razão para o reconhecimento da necessidade de desfazimento do contrato.

Frisou que a má-fé de fato existiu, porém restou revelada por ocasião da venda do automóvel.

CONCLUSÃO

Por tudo que verificou nos autos, o relator conheceu da apelação, mas negou provimento, mantendo a sentença de primeira instância. E majorou a verba honorária em favor dos advogados do apelado para o percentual de 20% sobre o total da condenação.

Os desembargadores Antônio José Vieira Filho e Tyrone Silva acompanharam o voto do relator, desfavorável ao apelo da empresa.

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